terça-feira, 14 de setembro de 2010

Heróis da Resistência


Porque as ruas estão sempre cheias de lixo? Porque as pessoas jogam lixo nelas, é óbvio – e é assustador saber que, em São Paulo, a prefeitura gasta com varrição mais de um terço de todo o gasto com educação. E, mesmo assim, as ruas continuam sempre imundas; o que também não é de surpreender, já que, enquanto as pessoas continuarem jogando lixo na rua, nem se fosse gasto o triplo do orçamento da educação elas ficariam limpas (claro: ou muda-se a cultura, ou vai ser preciso um gari para cada habitante).

E esse é só o sinal mais visível de um grau de incivilidade que, além de profundo, parece estar piorando; é o mais visível, mas está longe de ser o único. Sinceramente, não sei se eu é que estou ficando velho demais, e portanto incomodado demais, ou se as coisas realmente estão piorando. Afora a incontornável questão da idade, às vezes acho que há, sim, um assustador contágio de tudo que existe de pior no comportamento das pessoas (tenho vontade de falar sobre o “efeito espelho”, mas isso fica pra outro dia). Parece que o certo é rapidamente desaprendido, enquanto o errado é assimilado com a mesma velocidade. O que diabos está acontecendo? Isso me lembra aqueles filmes de vampiro (os de zumbi também servem) em que o sujeito mordido se torna vampiro, e em seguida também sai por aí mordendo e... Será que falta de educação é contagiosa?...

Não sei, sinceramente não sei. O que sei é que vou dedicar este texto a todos aqueles que bravamente se recusam a ingressar nessa pavorosa maré de desrespeito e anti-cidadania. São verdadeiros heróis da resistência. A eles! :-)

A todos aqueles heróis que, óbvia e primeiramente, se recusam a jogar lixo na rua – que se recusam a usar como lixeira o espaço que é de todos. Àqueles que, além de não fazerem isso, ainda conseguem se sentir indignados com quem o faz, tanto quanto com quem diz coisas como “todo mundo joga” e “os garis ganham para isso”.

A todos aqueles corajosos que se recusam a falar no elevador, incomodando o espaço coletivo com seu palavrório privado – especialmente usando o bendito telefone celular. Aos que, igualmente, vão ao cinema para assistir ao filme, não para incomodar o mundo com sua verborragia infecciosa. Aos que se negam a aderir à barbárie no trânsito e continuam respeitando suas leis (lembremos que são LEIS, não “sugestões”!) – e se recusam a fechar os outros, a parar em cima da faixa de pedestres, a entupir o mundo estacionando em local proibido. A esses bravos que se recusam a aderir ao “todo mundo faz” das ruas, mesmo assistindo os absurdos ao volante praticados pela turma do “o bom é levar vantagem”. Aos sentinelas que rejeitam as infinitas formas de “jeitinho” para resolver, com algum tipo de patifaria, o que não conseguem (ou têm preguiça de) resolver com competência. Aos que, por não terem necessidades profundas de auto-afirmação, conseguem conversar sem interromper o infeliz interlocutor a cada meio segundo.

Aos guerreiros que não aceitam tossir em cima dos outros, nem espirrar em cima dos outros, nem bocejar exibindo o esôfago para o mundo – e, em respeito à saúde e higiene alheias, praticam o enorme esforço de pôr a mão na frente da boca durante esses atos. Heróis! Aos que conseguem deixar que os outros espirrem em paz, sem dizer “saúde” ao pobre autor da esternutação. Aos valentes que não furam fila, mesmo assistindo o mundo inteiro fazendo isso. Aos que têm a fulgurante inteligência de entender que, para entrar em qualquer lugar (seja numa sala, num elevador ou num vagão de metrô) é também muito mais fácil, além de mais educado, esperar sair quem já está dentro! Vejam que idéia revolucionária!

Acima de tudo, aos heróis que rejeitam a imundice suprema de falar de boca cheia – e cuspir comida em cima dos outros e da comida dos outros (sem falar naquele barulho nojento)!!... Esse, pior do que o crack, o analfabetismo ou a corrupção, é o mal maior que atinge nossa civilização cambaleante! Aos guardiões da civilidade que não se contaminaram com essa podridão, Ave! Ave adsertor civitas, mortitani salutari!! A barbárie avança, mas a civilização ainda tem os seus soldados!

Brincadeiras à parte, sempre defendi que, nas últimas décadas, o mundo tem melhorado muito, em quase todos os aspectos. Em alguns pontos básicos de civilidade, porém, pelo que consigo enxergar do meu pouco tempo de vida (“pouco” em termos históricos; não vou desmentir no final do texto o peso dos anos que admiti no começo) parece que estamos regredindo. O que está acontecendo?