quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Feliz Dia do Professor!



Eu cursei o ginásio há tanto tempo que, naquela época, se chamava “ginásio” (equivale ao ensino fundamental de hoje). Tive uma professora de biologia que, em pouco tempo, deixou transparecer que não seria muito capaz de impor disciplina à turma e, mais ainda, que tinha bem pouco conhecimento da matéria (o colégio era tão ruim que a maioria dos professores era “emprestada” de outras matérias ou até de outras profissões). O que, claro, era a combinação perfeita para despertar o pior possível em termos de comportamento.

A turma, então, era particularmente cruel com aquela professora que, nos seus piores momentos, chegava a nos proferir uma “praga”: “a minha vingança é saber que, dessa turma, como de todas as turmas, pelo menos um vai ser professor!”.
E eu ria daquilo comigo mesmo: “Há!! Eu, hein? Eu vou ser é advogado!”
=))
Parabéns a todos nós, professores :-)

terça-feira, 10 de julho de 2012

A Lenda do Voto Nulo

Esse é mais um dos “mitos jurídicos”, aquelas lendas malucas que pairam sobre o mundo do direito e que volta e meia insistem em ressurgir das trevas para assombrar os incautos. Esse mito em particular, ao contrário daquele de que “advogado é doutor” – que é só uma bobagem sem maiores consequências –, acaba tendo efeitos muito sérios, porque influencia na crucial decisão dos cidadãos a respeito de quem escolherão como candidatos. E, com a proximidade das eleições, pululam e-mails e mensagens em redes sociais propagando mais esse mito...

Diz a lenda que, “segundo a lei”, se houver maioria absoluta (50% mais um) de votos nulos, a eleição seria anulada e outra realizada em seu lugar. Há ainda uma outra versão do mito que acresce um detalhe: na nova eleição que vai ser convocada, só podem se inscrever candidatos que não tenham participado da anterior.

Ocorre, porém, que ambas as informações são completamente falsas. A lei eleitoral não diz nada disso – muito ao contrário, afirma que os votos nulos são simplesmente desconsiderados. O que exige nova votação é a anulação da própria votação, o que não tem nenhuma ligação com voto nulo!

Veja os artigos da lei eleitoral:

Art. 220. É nula a votação:
I - quando feita perante mesa não nomeada pelo juiz eleitoral, ou constituída com ofensa à letra da lei;
II - quando efetuada em folhas de votação falsas;
III - quando realizada em dia, hora, ou local diferentes do designado ou encerrada antes das 17 horas;
IV - quando preterida formalidade essencial do sigilo dos sufrágios.
V - quando a seção eleitoral tiver sido localizada com infração do disposto nos §§ 4º e 5º do art. 135.
Parágrafo único. A nulidade será pronunciada quando o órgão apurador conhecer do ato ou dos seus efeitos e o encontrar provada, não lhe sendo lícito supri-la, ainda que haja consenso das partes.
...
Art. 222. É também anulável a votação, quando viciada de falsidade, fraude, coação, uso de meios de que trata o Art. 237, ou emprego de processo de propaganda ou captação de sufrágios vedado por lei.
...
Art. 224. Se a nulidade atingir a mais de metade dos votos do país nas eleições presidenciais, do Estado nas eleições federais e estaduais ou do município nas eleições municipais, julgar-se-ão prejudicadas as demais votações e o Tribunal marcará dia para nova eleição dentro do prazo de 20 (vinte) a 40 (quarenta) dias.
§ 1º Se o Tribunal Regional na área de sua competência, deixar de cumprir o disposto neste artigo, o Procurador Regional levará o fato ao conhecimento do Procurador Geral, que providenciará junto ao Tribunal Superior para que seja marcada imediatamente nova eleição.
§ 2º Ocorrendo qualquer dos casos previstos neste capítulo o Ministério Público promoverá, imediatamente a punição dos culpados.

Veja a íntegra da lei aqui:


Quer dizer, só nesses casos gravíssimos é que a Justiça Eleitoral (não o eleitor) irá anular a votação inteira. Isso não tem nenhuma relação com voto nulo ou em branco!

Complementando, veja o que diz a Lei 9.504/97:
Art. 2º Será considerado eleito o candidato a Presidente ou a Governador que obtiver a maioria absoluta de votos, não computados os em branco e os nulos.
...
Art. 3º Será considerado eleito Prefeito o candidato que obtiver a maioria dos votos, não computados os em branco e os nulos.

Ou seja: votos brancos e nulos são simplesmente desconsiderados. Esses votos são um prêmio para os corruptos e maus políticos em geral, porque fica mais fácil de se elegerem.

Então, não existem atalhos. Voto nulo não gera nada além de transferir a responsabilidade para os outros eleitores e deixar o caminho livre para que os piores cheguem ao poder.

É verdade que, em alguns casos, os partidos nos deixam com a escolha entre o ruim e o pior, mas isso não muda nossa responsabilidade. O processo eleitoral precisa ser profundamente reformulado no Brasil, é verdade também (o ponto mais importante, a meu ver, é a adoção do voto distrital), mas a responsabilidade final e maior continua sendo do eleitor.

E a conta pelas más escolhas também.

terça-feira, 13 de março de 2012

Flex bom mesmo vai ser flex com turbo


Muito já se disse sobre todas as mazelas do Pro-álcool e todo o dinheiro que o país desperdiçou com subsídios estatais para satisfazer os delírios de “Brasil potência” da ditadura militar – que incluíram, até, a grave crise de abastecimento de 1989. Tempos depois, com o fim do subsídio, o álcool etílico se tornou competitivo graças ao próprio mercado (como sempre deveria ter sido...), via melhorias na produção e aumento do preço do petróleo. Hoje, sem subsídio nenhum, o etanol tem custo atraente em boa parte do país, mesmo com o preço da gasolina e do diesel artificialmente baixos. Pois é, o preço dos derivados de petróleo é artificialmente segurado graças a – de novo! – decisões populistas que vão custar caro no futuro. (Não vou tratar do fato de a gasolina brasileira, além da baixíssima qualidade, estar entre as mais caras do mundo; o preço dela está “baixo” para os patamares brasileiros, bem entendido).

De qualquer maneira, o fato é que as fabricantes (por favor, jamais chame uma fabricante de “montadora”. Elas não juntam pecinhas de Lego...) de veículos oferecem quase 100% dos veículos feitos aqui a tecnologia “flex”, ou seja, a possibilidade de usar gasolina, etanol ou qualquer mistura dos dois. Assim, seja qual for a barbeiragem que o governo de plantão faça, o consumidor sempre tem a opção de escolher qual combustível quer (só por curiosidade, lembram do Siena Tetrafuel, que também rodava com gás natural e gasolina sem álcool anidro?...).

Isso se consegue, essencialmente, graças a sistemas de injeção eletrônica bastante evoluídos. Eles detectam o tipo de combustível que está alimentando o motor em centenas de medições por segundo e o fornecem em quantidades muito precisas para aquela demanda de potência, naquele instante e com o tanto de ar necessário.

Tecnicamente, porém, esses motores enfrentam um problema sério: a taxa de compressão é fixa, determinada pela própria estrutura física do motor. Não há eletrônica que dê jeito nisso. Além disso, um motor que fosse especificamente projetado para o etanol poderia ter taxas de compressão muito mais altas do que a suportadas pelos motores que também trabalham com gasolina (poderíamos estar em algo como 14:1 ou até 15:1). O motor flex, obrigado a ficar num meio termo entre os dois combustíveis, acaba sendo menos eficiente do que o motor específico para um só (algo em torno de 35%; os flex ficam por volta de 30%).

Existem projetos complicadíssimos de motores que alteram sua taxa de compressão para resolver isso: uns modificam, em pleno funcionamento, a estrutura do bloco; outros alteram a forma e o tamanho do cabeçote (o da imagem acima é o Omnivore, da Lotus. Veja um vídeo legal do funcionamento dele aqui: http://www.youtube.com/watch?v=fIG9pWldO8U ). Penso que são exercícios interessantíssimos de engenharia, mas o resultado final vai ser, inevitavelmente, caro e complicado – e talvez pouco confiável na mesma proporção. A solução, penso, se chama turbocompressor.

O famoso turbo usa a energia que seria desperdiçada pelos gases de escapamento para girar uma turbina (daí o nome), que “sopra” mais ar para o motor – resolvendo o velho problema do fornecimento de ar dos motores aspirados. Não é à toa que, com turbo, motores pequenos conseguem potências só alcançadas por motores muito maiores.

Essa vai ser, penso, a solução definitiva para a maior eficiência do motor flex – e finalmente permitir o melhor dos dois mundos para o consumidor. Detectada uma gasolina de baixa qualidade, a central eletrônica baixa bastante a pressão do turbo; com gasolina melhor, a pressão pode ser aumentada. A tecnologia para fazer isso é simples; o Golf GTi já dispunha dela há tempos – e era exatamente por conta da qualidade da gasolina que sua potência variava entre 180cv e 193cv.

Adaptar essa tecnologia para o etanol será razoavelmente fácil; o maior desafio vai ser produzir bicos injetores que suportem um “delta” tão largo (uma variação entre as quantidades de gasolina em marcha lenta até as quantidades extremas de etanol puro em aceleração máxima). Comparado ao desafio inicial do próprio flex, porém, esse vai ser moleza.

O flex turbo pode ser preparado para economia em carros populares; para potência em esportivos; ou para um misto dos dois, ou até, em carros mais caros, em opções selecionáveis pelo motorista entre um extremo e outro. Nos luxuosos e esportivos o turbo já é usado há muito tempo; com essa tecnologia se tornando cada vez mais popular, está mais do que na hora de termos um turbo, de fábrica, que aproveite as qualidades superiores do etanol. Quem tem turbo “mexido” entende bem dessas vantagens... Só falta a confiabilidade de fábrica!

Isso, claro, até os híbridos com turbinas não se tornarem a regra no mercado... Como este aqui: http://www.jaguar.com/gl/en/about_jaguar/project_c-x75/innovation ! A turbina, por não ter movimento reciprocante, apenas giratório, dura mais e tem eficiência muito maior do que os motores a pistão... E o “flex”, nesse caso, é bem mais radical: ela aceita gasolina, etanol, metanol, diesel, biodiesel, gás natural...

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Doutor é quem fez doutorado (ou “às vezes a vaidade é maior do que a própria lei”)



Do mesmo modo que existem as “lendas urbanas”, existem também no mundo do Direito as “lendas jurídicas” – histórias claramente absurdas mas que, por motivos que a razão ignora, vão se perpetuando no tempo e às vezes até adquirindo ares de verdade incontestável. Uma, em particular, é especialmente resistente, talvez por conta de costume arraigado (mas nem por isso menos errado), talvez por causa da invencível vaidade humana: a de que bacharéis em Direito “mereceriam” (vaidade, sempre a vaidade...) ser chamados de “doutores”.

As origens da lenda variam conforme o “contador do causo”; às vezes o motivo da pérola seria um “decreto real de Portugal” (hein?), noutras um “alvará” (ai, socorro...) que “determinaria” que “bacharel também é doutor” (socorro ao quadrado...). A versão mais famosa, porém, é a de que D. Pedro I, na mesma lei que determinou a criação dos cursos jurídicos, “inventou” que o bacharel teria o “direito” ao título de doutor.

A história, claro, é completamente falsa. Para não alongar muito, vamos logo à letra do texto da Lei de 11 de Agosto de 1827, que é a norma que criou os cursos de Direito no Brasil (em Olinda e no Largo de São Francisco – esse é o motivo, a propósito, de por que 11 de agosto é o dia do estudante e também o dia do advogado):

Art. 9.º - Os que freqüentarem os cinco annos de qualquer dos Cursos, com approvação, conseguirão o gráo de Bachareis formados. Haverá tambem o grào de Doutor, que será conferido áquelles que se habilitarem com os requisitos que se especificarem nos Estatutos, que devem formar-se, e sò os que o obtiverem, poderão ser escolhidos para Lentes.

Ou seja, a lei dizia exatamente O CONTRÁRIO do que afirma a lenda: quem se forma no curso de Direito tem grau de “bacharel”, enquanto que o título de doutor seria reservado àquele que obtivesse tal grau, segundo as regras que seriam estabelecidas para isso pelos estatutos das faculdades recém-criadas – ou seja, o obtivessem no curso de doutorado. E só quem tivesse o grau de doutor poderia ser escolhido como “lente” (o que hoje seria o “livre-docente”).

Uma variação ainda mais absurda da lenda dizia que a “habilitação de doutor” não seria o curso de doutorado, mas sim o ingresso na OAB (ó, resistente vaidade...). Quem inventou essa bobagem não se deu ao trabalho de pesquisar alguns segundos na internet e descobrir que a OAB só foi criada no anos 1930, ou seja, mais de cem anos depois da promulgação da lei...

É óbvio que essa lei não está mais em vigor, mas o importante é notar que NUNCA existiu a norma que a lenda propaga. Em tempos outros, talvez fosse justificável a dúvida, dada a dificuldade de se saber se uma lei antiga existiu mesmo ou não. Nos tempos atuais, em que tudo está ao alcance e ao tempo de um clique, é difícil entender como uma tolice dessas proporções continua fazendo adeptos.

Não acredita? Veja a íntegra da lei aqui:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_63/Lei_1827.htm

“Mas e o costume?”, dirão alguns. Ora, também há um “costume” de se dizer “menas” e é errado na mesma proporção.

Que leigos cometam esse erro é compreensível; não houve ninguém a ensiná-los. Temos nós, que tivemos a oportunidade de estudar, o dever de esclarecer a quem assim desejar. Pior (muito pior) são professores de direito propagarem o erro – aí é imperdoável.

Enfim, advogado não é doutor. Juiz não é doutor (a propósito, aproveite e pare de chamá-lo assim no endereçamento das petições!). Médicos e quaisquer outros profissionais também só serão doutores se e somente se cursarem uma pós-graduação stricto sensu chamada “doutorado” (ó, incrível descoberta!).

Uma questão final: “doutor” é título acadêmico. “Doutor” não é “pronome de respeito”, nem muito menos título profissional. Então, mesmo que tenha doutorado, só faz sentido chamar alguém de doutor no ambiente acadêmico, não no profissional. Se um advogado tiver título de mestre, o juiz deve chamá-lo de “mestre” na audiência? Ou o promotor ao juiz, ou este ao delegado? Claro que não. Então, é exatamente da mesma forma para o título de doutor. Ou, mais claro ainda: se fora do ambiente profissional o juiz tiver o hobbie de colecionar selos, você vai incluir isso no endereçamento da petição?...

Então, de uma vez por todas, diga não às lendas! :-)