terça-feira, 10 de julho de 2012

A Lenda do Voto Nulo

Esse é mais um dos “mitos jurídicos”, aquelas lendas malucas que pairam sobre o mundo do direito e que volta e meia insistem em ressurgir das trevas para assombrar os incautos. Esse mito em particular, ao contrário daquele de que “advogado é doutor” – que é só uma bobagem sem maiores consequências –, acaba tendo efeitos muito sérios, porque influencia na crucial decisão dos cidadãos a respeito de quem escolherão como candidatos. E, com a proximidade das eleições, pululam e-mails e mensagens em redes sociais propagando mais esse mito...

Diz a lenda que, “segundo a lei”, se houver maioria absoluta (50% mais um) de votos nulos, a eleição seria anulada e outra realizada em seu lugar. Há ainda uma outra versão do mito que acresce um detalhe: na nova eleição que vai ser convocada, só podem se inscrever candidatos que não tenham participado da anterior.

Ocorre, porém, que ambas as informações são completamente falsas. A lei eleitoral não diz nada disso – muito ao contrário, afirma que os votos nulos são simplesmente desconsiderados. O que exige nova votação é a anulação da própria votação, o que não tem nenhuma ligação com voto nulo!

Veja os artigos da lei eleitoral:

Art. 220. É nula a votação:
I - quando feita perante mesa não nomeada pelo juiz eleitoral, ou constituída com ofensa à letra da lei;
II - quando efetuada em folhas de votação falsas;
III - quando realizada em dia, hora, ou local diferentes do designado ou encerrada antes das 17 horas;
IV - quando preterida formalidade essencial do sigilo dos sufrágios.
V - quando a seção eleitoral tiver sido localizada com infração do disposto nos §§ 4º e 5º do art. 135.
Parágrafo único. A nulidade será pronunciada quando o órgão apurador conhecer do ato ou dos seus efeitos e o encontrar provada, não lhe sendo lícito supri-la, ainda que haja consenso das partes.
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Art. 222. É também anulável a votação, quando viciada de falsidade, fraude, coação, uso de meios de que trata o Art. 237, ou emprego de processo de propaganda ou captação de sufrágios vedado por lei.
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Art. 224. Se a nulidade atingir a mais de metade dos votos do país nas eleições presidenciais, do Estado nas eleições federais e estaduais ou do município nas eleições municipais, julgar-se-ão prejudicadas as demais votações e o Tribunal marcará dia para nova eleição dentro do prazo de 20 (vinte) a 40 (quarenta) dias.
§ 1º Se o Tribunal Regional na área de sua competência, deixar de cumprir o disposto neste artigo, o Procurador Regional levará o fato ao conhecimento do Procurador Geral, que providenciará junto ao Tribunal Superior para que seja marcada imediatamente nova eleição.
§ 2º Ocorrendo qualquer dos casos previstos neste capítulo o Ministério Público promoverá, imediatamente a punição dos culpados.

Veja a íntegra da lei aqui:


Quer dizer, só nesses casos gravíssimos é que a Justiça Eleitoral (não o eleitor) irá anular a votação inteira. Isso não tem nenhuma relação com voto nulo ou em branco!

Complementando, veja o que diz a Lei 9.504/97:
Art. 2º Será considerado eleito o candidato a Presidente ou a Governador que obtiver a maioria absoluta de votos, não computados os em branco e os nulos.
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Art. 3º Será considerado eleito Prefeito o candidato que obtiver a maioria dos votos, não computados os em branco e os nulos.

Ou seja: votos brancos e nulos são simplesmente desconsiderados. Esses votos são um prêmio para os corruptos e maus políticos em geral, porque fica mais fácil de se elegerem.

Então, não existem atalhos. Voto nulo não gera nada além de transferir a responsabilidade para os outros eleitores e deixar o caminho livre para que os piores cheguem ao poder.

É verdade que, em alguns casos, os partidos nos deixam com a escolha entre o ruim e o pior, mas isso não muda nossa responsabilidade. O processo eleitoral precisa ser profundamente reformulado no Brasil, é verdade também (o ponto mais importante, a meu ver, é a adoção do voto distrital), mas a responsabilidade final e maior continua sendo do eleitor.

E a conta pelas más escolhas também.