Estamos vivendo os dias imediatamente após as históricas manifestações de
15/03/15; apesar do esforço de alguns para desqualificar tanto os números
quanto os próprios participantes, já se tem certeza de que foram as maiores
manifestações populares da história do Brasil. Diferentemente do que ocorreu em
junho de 2013, aqui havia uma pauta bem clara: protesto contra o PT, protesto
contra o governo Dilma, protesto contra seu projeto bolivariano (coitado de
Simon Bolívar, que era um liberal – olha no quê foram transformar seu nome!...)
de poder a qualquer custo, protesto contra o estelionato eleitoral. Em função
disso, e das inúmeras informações desencontradas sobre os aspectos jurídicos do
“impeachment” que têm circulado, creio que cabem alguns esclarecimentos sobre a
situação e sobre a lei.
Em 2013, havia uma insatisfação difusa, mal articulada, mas nem por isso
menos legítima. O estopim, como se sabe, foram manifestações iniciadas pelo
“Movimento Passe Livre”, um grupo controlado pelos partidos subalternos ao PT
(PSOL, PCB e, em especial, PSTU – ainda que, veja-se a ironia, informem em seu
site “não somos filiados a nenhum partido ou instituição”) cujo objetivo
declarado era enfraquecer o governo estadual de São Paulo. O movimento se
espalhou pelo país todo, de maneira incontrolável, e toda tentativa partidária
de pautá-lo teve repúdio instantâneo (há múltiplos vídeos no Youtube mostrando
isso – alguns não muito polidos mas bastante ilustrativos, em especial aquele
em que há uma eloqüente rima para a sigla “PSTU”). O povo, quando tratava dos
famosos “20 centavos”, estava na verdade protestando contra o persistente
aumento da inflação, bem como contra a crise econômica que, desde ali, começava a
dar sinais de quão grande seria.
Temos então o “Petrolão”, já considerado não apenas o maior
caso de corrupção da história brasileira, mas o maior do mundo. Tanto os
números quanto a desfaçatez dos envolvidos são estarrecedores. A Sra. Dilma
Rousseff, como é sabido, foi presidente do conselho de administração da Petrobrás
por longo período, inclusive “no que se refere” às denúncias mais importantes,
feitas pelos próprios empreiteiros denunciados.
A Lei das Sociedades Anônimas (Lei 6.404/75) é muito clara a respeito
(art. 138): o Conselho é, ao lado da diretoria, o responsável direto por sua
administração, além de ter o dever de fiscalizá-la (arts. 138, 139 e,
especialmente, 142). Já o estatuto social da própria Petrobrás não deixa
dúvidas: seu artigo 17 determina expressamente que “a Petrobrás será dirigida por um Conselho de Administração, com
funções deliberativas, e uma Diretoria Executiva”. Pretender, portanto, que
a atual presidentA não tenha responsabilidade em tudo que ocorreu na empresa
sob sua administração, ou mesmo que ela não soubesse que 88 BIlhões de
reais tenham sido roubados, é atentar não só contra a inteligência do
brasileiro, mas também contrariar a letra expressa da lei e do estatuto da
Petrobrás.
Já o impedimento (“impeachment”) é disciplinado pela Constituição Federal
(arts. 85 e 86) e por lei específica sobre o assunto (Lei 1.079/50). Em ambas
as normas, fica evidenciado que somente o ato praticado durante o exercício da presidência pode justificar o “impeachment”.
Ora, mas permitir a continuidade do “Petrolão” e ainda manter Graça Foster no
cargo não caracteriza a continuidade do ilícito?...
Essa é, basicamente, a tese defendida pelo Professor Ives Gandra em seu
parecer (link: http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/02/1584267-ives-gandra-da-silva-martins-a-hipotese-de-culpa-para-o-impeachment.shtml
). Ali, o professor esclarece que houve crime de responsabilidade, já devidamente
caracterizado, pelas hipóteses de culpa (negligência, imprudência, imperícia,
omissão), independentemente de as investigações detectarem se houve ou não
dolo. Diz ele: “como a própria presidente
da República declarou que, se tivesse melhores informações, não teria aprovado
o negócio de quase US$ 2 bilhões da refinaria de Pasadena (nos Estados Unidos),
à evidência, restou demonstrada ou omissão, ou imperícia ou imprudência ou
negligência, ao avaliar o negócio. E a insistência, no seu primeiro e segundo
mandatos, em manter a mesma diretoria que levou à destruição da Petrobras está
a demonstrar que a improbidade por culpa fica caracterizada, continuando de um
mandato ao outro.”
A tese é polêmica e merece reflexão. O jurista Miguel Reale Jr., tão
brilhante quanto insuspeito, discorda dela (veja aqui: http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,renuncia-ja-imp-,1646272).
Mas, dado o desastre da administração petista e seu escancarado envolvimento
com o “Petrolão”, sugere outra saída: a renúncia.
A esse imbróglio, trago dois acréscimos: se comprovadas as denúncias do
Sr. Barusco, de que a campanha presidencial contou com mais de 200 milhões de
reais de dinheiro de corrupção, o caso não será de “impeachment”, mas de
cassação da candidatura. É o que determina o artigo 30-A, § 2º, da Lei 9.504/97:
“comprovados captação ou gastos ilícitos
de recursos, para fins eleitorais, será negado diploma ao candidato, ou
cassado, se já houver sido outorgado.” Entenda-se que não se trata, aqui, de
impedimento da presidente, mas cassação da própria candidatura – e, por ser da
candidatura, o vice-presidente seria cassado também. É hipótese que permanece
no horizonte.
Mais ainda: a Lei 9.096/95, que é a lei dos partidos políticos, prevê, em
seu art. 28, as hipóteses em que a Justiça Eleitoral deve cancelar o registro
civil e o estatuto dos partidos. É minha opinião que o PT já deveria estar
sendo investigado há muito tempo pelas suas conexões tanto como subalterno do
Foro de São Paulo (incisos I e II) quanto como chefe da organização
escancaradamente paramilitar chamada MST (que confessa, orgulhoso, ter até
recebido treinamento militar das FARC – inciso IV). Afora isso, porém, se
comprovadas as aludidas denúncias do Sr. Barusco, dentre outras feitas na
investigação do “Petrolão”, o caso será de cassação do registro do PT pela
alínea III do citado artigo. Se “deixar de prestar contas” à Justiça Eleitoral
já justifica a cassação, que se dirá de usar do poder para desviar mais de 200
milhões de reais para uso em campanha eleitoral?...
Não há como saber o resultado das investigações, nem se alguma das
hipóteses acima vai encurtar o mandato da Sra. Rousseff. O máximo que eu
arriscaria seria dizer que absolutamente não acredito na hipótese de renúncia,
em que a Sra. Rousseff iria abrir mão do poder em prol do bem do país: o credo
do PT é o poder pelo poder – e uma vez entendido isso, percebe-se qual absurdo
é pretender que haja ali alguma preocupação com “o bem do país”.
Mas isso tudo é, apenas, o curto e médio prazos.
A longo prazo, a questão é outra. O que realmente merece atenção não é o
destino do mandato da Sra. Rousseff; a questão é que a crise econômica atual,
muito mais do que a política, pode ter como efeito didático a demonstração do
que os liberais sempre defenderam: as idéias do PT levam inexoravelmente ao
desastre.
Isso é o fundamental. Não adianta a Sra. Rousseff ser impedida, ou mesmo
cassada, se a seguir o povo eleger alguém com ideário semelhante. Seria trocar
o elenco mas manter o roteiro. Por mais honesto que fosse o PT (desculpem, eu
sei o quanto isso soa risível!...), por melhores que fossem suas intenções,
nada mudaria o fato: estamos numa profunda crise econômica por causa,
exclusivamente, do ideário que o PT defende no campo econômico.
Espero que isso fique cada vez mais claro na mente do
público em geral. Espero que o brasileiro médio finalmente entenda que o que
“tirou milhões da miséria” não foi o governo Lula, foi a situação internacional
(estouro no preço das commodities, demanda da China, altíssima liquidez). E,
para quem duvida, não precisa acreditar em mim: basta comparar o quanto a
pobreza foi reduzida no Brasil com o quanto ela foi reduzida no resto do mundo,
em especial em países com economia semelhante à nossa, nesse mesmo período.
Isso vai deixar evidente que a pobreza no Brasil caiu apesar do governo do PT e não “graças” a ele. Independentemente do
que ocorra na política, teremos anos terríveis pela frente em âmbito econômico;
e, se esse fato fundamental – o receituário econômico do PT como origem e causa
da crise – for entendido e compreendido pela maioria do povo (e é o que parecem
mostrar as pesquisas de opinião, com aprovação do governo atual na casa de um
dígito), então iremos sair dessa crise não apenas mais fortes, mas mais sábios
para evitar que outra semelhante aconteça novamente.