terça-feira, 22 de março de 2011

Um Velhinho em Boston



Sim, existe um velhinho em Boston! Há muitos, é claro, mas esse é especial. Miúdo, meio encurvado pelo peso de seus 83 anos, ele é simpático e de extrema gentileza; quase patologicamente tímido, nunca se casou nem teve filhos. Mora numa casa muito simples, de tijolos aparentes, num bairro operário no lado leste de Boston, onde planta orquídeas e tenta arrumar espaço suficiente para as várias pilhas de livros.

Gene Sharp, além de plantador de orquídeas, é o homem que ajudou o Egito a derrubar Hosni Mubarack. Também é o homem que ajudou a Sérvia a derrubar Slobodan Milosevic e mais um punhado de outras ditaduras.

Seu trabalho já era conhecido antes da revolta egípcia, mas é esta a que agora está lhe dando o status de celebridade. Do alto de sua timidez intensa, ele obviamente não dá a mínima para isso; as ditaduras do mundo, ao contrário, estão com cada vez mais preocupadas com suas idéias e com a velocidade com que elas se expandem.

Desde 1972, Sharp é professor de ciência política na Universidade Dartmouth, em Massachusetts. Fascinado pelo pacifismo de Einstein e pela doutrina de “resistência não-violenta” de Gandhi, ele resolveu estudar a fundo a natureza e a fonte de poder das ditaduras – e como elas poderiam ser combatidas. Seu trabalho de doutorado foi defendido em 1968 e publicado em 1973 sob o nome de “As Políticas de Ação Não-Violenta”. Com base nos elementos elaborados nesse trabalho, ele escreveu outro, bem curto, direto e acessível, para servir de “guia” aos povos oprimidos: Da Ditadura para a Democracia, traduzido para mais de sessenta idiomas e facilmente encontrado na internet.

É fato que as “mídias eletrônicas” (em especial Twitter e Facebook) foram ferramentas importantes para os revoltosos do Egito e da Tunísia, algo que a imprensa do mundo todo tem dado muita ênfase. Mas o quê, exatamente, eles comunicavam por esses meios? O que se divulgava, além de que vinagre e suco de limão no lenço ajudam a minimizar os efeitos do gás lacrimogêneo? A resposta é: as idéias de Sharp.

Segundo ele defende, o poder realmente emana do povo, e nenhuma ditadura consegue se manter indefinidamente se for baseada somente na força. Se perder o apóio popular, e se essa retirada de apóio for feita de forma organizada e planejada, nenhuma ditadura se sustenta – e Da Ditadura para a Democracia explica, de forma simples e detalhada, o passo-a-passo de como isso pode ser feito.
A resistência pacífica, segundo Sharp, não é apenas moralmente melhor do que o combate pela violência: é mais eficaz. O uso da força é o campo da ditadura, e dificilmente os defensores da democracia podem ser páreo para ela nesse seu terreno próprio. Minar suas fontes de poder, ao contrário, sem uso de armas, é muito mais eficiente.

Muito antes das revoltas no Oriente Médio, o trabalho de Sharp já era o livro de cabeceira dos movimentos de libertação na Sérvia e em várias das ex-repúblicas da URSS. O movimento Otpor, da Sérvia, chegou a receber treinamento diretamente do instituto de Sharp (o Albert Einstein Institution, cujo site está aqui: http://www.aeinstein.org/ ).

Tal qual seus colegas do leste europeu, o Otpor (que em sérvio significa “resistência”) teve um papel fundamental na queda de ditaduras que até então pareciam invencíveis (nesse caso, a do ditador-genocida Slobodan Milosevic). Não é à toa que, tão logo começou a se organizar, a juventude no Egito tenha procurado auxílio e treinamento com os militantes do Otpor – e o manual básico de todo o planejamento da revolta tenha sido o livro de Gene Sharp.

Nada mau para um velhinho introvertido!... :-)