quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Dinheiro Compra Felicidade?


Uma ex-aluna, por e-mail, me pede que comente um tema antigo: afinal, dinheiro compra felicidade ou não?

Em primeiro lugar, acho que é preciso esclarecer que o grande problema da pergunta é que ela relaciona coisas que, a rigor, não têm relação. Como dizia um sábio professor de matemática que tive, “é como comparar melancia com parafuso”. Ainda assim, penso que algumas considerações são possíveis.

Não vou discutir a natureza do dinheiro, nem as regras do sistema econômico que balizam sua obtenção; vou, ao invés, tentar tratar do aspecto psicológico relacionado a ele – é disso, parece, que trata essa pergunta ancestral. Por sua vez, o próprio conceito de felicidade já é, por si só, tão complexo que fica difícil relacioná-lo ao que quer que seja. Então, vamos começar pelos extremos, porque é neles que as características de qualquer coisa são sempre mais visíveis.
Comecei dizendo que conta bancária e felicidade eram duas coisas que não tinham relação; ao mesmo tempo, pensando em extremos, também acho fácil de constatar que ninguém consegue ser “feliz” (seja isso o que for) se estiver passando fome. O extremo oposto também é elucidativo: se um dos filhos de Bill Gates morrer, a dor e a tristeza dele serão exatamente iguais a de qualquer pai – talvez, apenas, com o acréscimo desencantado de pensar que todo dinheiro foi inútil para evitar o ocorrido.

Lembro também da história antiga do milionário que dizia a um pescador o quanto ele poderia aumentar sua produção se trocasse seu barco por outro maior, a motor, se ampliasse suas instalações, se usasse redes maiores, com gruas etc. Ao que o pescador, sorrindo, responde “sim, aí eu poderia ficar rico o suficiente para morar numa praia maravilhosa, ter uma vida muito saudável e feliz, e passar o dia inteiro pescando, sem me preocupar com nada... Ou seja, exatamente a vida que eu já tenho!”...

Outra história de que gosto muito, que ajuda a ilustrar um pouco a questão de “qual o valor das coisas”: um milionário visita um leprosário na Índia (não sei se a história é verdadeira; me contaram como sendo). Ao ver uma freira cuidando de um doente terminal, com pústulas terríveis, ele lhe diz “nossa, Irmã, eu não faria isso por dinheiro nenhum do mundo”; ao que ela responde, sorrindo, “nem eu, meu filho, nem eu!”

Mas o quê, afinal, é preciso para ser feliz? E qual a relação disso com dinheiro? Um campo bom de pesquisa são os ganhadores de loterias, pela situação muito peculiar de passarem de repente da situação “muito pobre” para “muito rico”, sem escalas. Existem vários estudos de psicologia sobre esse grupo tão específico de pessoas – e a maioria mostra que a alegria geralmente dura pouco. Há um prazer muito intenso mas também muito fugaz com a compra de bens anteriormente tão desejados – a pessoa rapidamente “se acostuma” com o carro ou a casa caríssimos, e o que tinha sido fonte de tanta alegria se torna apenas parte da rotina, parte da “paisagem” diária.

Curiosa, também, é a constatação de que só uma pequena parcela desses ganhadores de prêmios mantêm a fortuna; a maioria, em pouco tempo, torra-o de tal forma que rapidamente volta à exata situação financeira que tinha antes do sorteio.
Há, claro, o “peso da sobrevivência” a ser considerado; a batalha diária para obtenção dos recursos básicos para continuar vivo que é anterior a qualquer anseio de “felicidade”. Ainda que muito facilitada pela vida moderna nas sociedades atuais, esse peso continua existindo e, se não é fator de infelicidade, pelo menos é de preocupação constante. Pergunte a qualquer pessoa rica que começou a vida na pobreza sobre o melhor aspecto de ser rico e ele certamente responderá: a grande vantagem de se ter bastante dinheiro é justamente não precisar se preocupar com dinheiro. É ficar fora da roda viva de “como vou pagar as contas”; ou, na expressão brilhante da música do Capital Inicial, “vocês se perdem no medo de não conseguir dinheiro pra comprar sem se vender”.

Parece, então, que existe uma certa hierarquia de valores, e essa complexa condição chamada “felicidade” depende não apenas de quais desses valores conseguimos obter, mas de quais os valores que elegemos como importantes. Um exemplo fácil? É comum se dizer que a única pessoa mais infeliz do que a que só pensa em conseguir vingança é a que realizou sua vingança...

Falar da relação felicidade / hierarquia de valores é falar de Maslow e sua famosa pirâmide. Abraham Maslow propôs, na primeira metade do século passado, a teoria de que a felicidade humana dependeria de satisfazerem-se determinados anseios, dos mais básicos a, progressivamente, os mais elevados, nesta ordem: fisiologia (respirar, comer, dormir), segurança (física, de abrigo, de saúde, de recursos), amor e relacionamento (amizade, família, sexo), estima (confiança e respeito) e, finalmente, realização pessoal (moralidade, estética, criatividade, realização profissional). É essa pirâmide, com texto em português, que você vê no começo do texto. Esse sem dúvida foi um grande avança sobre as teorias anteriores, mas é bastante criticado tanto pela impossibilidade de se universalizar os anseios humanos (essencialmente pessoais e próprios), quanto pela variedade de reações que um mesmo valor pode ter para pessoas diferentes (há desde os felizes com muito pouco até os que não se satisfazem com nada) quanto, finalmente, da dificuldade de se obterem provas de qualquer hierarquia que seja.

Se você lê em inglês, há uma crítica interessante à teoria de Maslow aqui: http://www.rare-leadership.org/Maslow_on_transpersonal_psychology.html.

Pra encerrar: o texto definitivo sobre dinheiro, na minha humilde opinião, é o discurso de singelas quatro páginas do personagem Francisco d’Anconia, no monumental Quem É John Galt?, de Ayn Rand. Esse é, apenas, o melhor livro que já li na vida – o mesmo em que, aliás, Rand defende que “o que move o ser humano é seu código de valores”.

Acho que é por aí ;-)