quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Voto Distrital: vereador de luxo?


Sir Winston Leonard Spencer-Churchill foi, na opinião de muita gente (e eu me incluo entre eles), o maior estadista do século XX. Desde muito cedo tentou alertar o mundo sobre o perigo que representavam Hitler e seu nacional-socialismo, foi peça chave durante todo o decorrer da guerra e teve enorme importância na vitória final dos aliados. Talvez ele tenha sido, isoladamente considerado, o maior responsável por essa vitória – o que significa, em última instância, que é em grande parte graças a ele que eu, você e o resto do mundo não sejamos, hoje, escravos em um campo de concentração nazista. Churchill já tinha seis livros publicados aos 26 anos, foi um dos maiores oradores de todos os tempos e foi ainda vencedor do Prêmio Nobel de Literatura (1953) por sua espetacular obra “A Segunda Guerra Mundial”.

A par desses fatos largamente conhecidos, há dois outros que quero destacar aqui: 1. ele iniciou sua carreira política como deputado e 2. como é sabido, os deputados no Reino Unido, da mesma forma que na maioria das democracias consolidadas, são eleitos com base no voto distrital. Churchill, o insuperável estadista que enfrentou e venceu o nazismo, foi eleito pelo voto distrital.

Nos debates sobre reforma política de que tenho participado, um dos argumentos que alguns tentam usar contra o voto distrital é que essa forma de eleição transformaria o deputado em algo que chamam de “vereador de luxo”. E a primeira coisa em que penso quando ouço isso é, justamente, em Winston Churchill.

Claro, bastaria isso para encerrar a questão – teria sido Churchill então um “vereador de luxo”, seja lá o que isso signifique? Mas vamos aprofundar um pouco a discussão.

Como se sabe, o sistema de voto distrital divide os eleitores em grandes distritos, e cada um desses distritos elege seu deputado – o que gera incontáveis vantagens sobre o sistema absurdo de “voto proporcional” que o Brasil utiliza atualmente. Para alguns críticos, porém, o voto distrital faria imediata e automaticamente (para não dizer “por mágica”) com que o deputado, ao invés de se preocupar com as grandes questões nacionais, fosse cuidar apenas das picuinhas de seu próprio distrito.
Mas há então que se perguntar: o que gera essa vinculação entre uma coisa e outra? Qual é, exatamente, a relação de causa e efeito entre elas? Ora, nenhuma, rigorosamente nenhuma. A escolha do deputado é, sim, feita no distrito, mas porque diabos o deputado iria se preocupar somente com os problemas do distrito? Só mesmo mágica para explicar essa pretensa relação.

Os eleitores daquele distrito obviamente estão preocupados com as grandes questões nacionais – saúde, educação, corrupção, segurança, inflação. Então, se o deputado quiser se reeleger na próxima eleição, ele vai ter de se preocupar com elas também. Se, ao contrário, ele pretender ter um péssimo resultado eleitoral, basta agir como o tal “vereador de luxo”. Numa democracia saudável, isso será suficiente para que a grande maioria dos eleitores de seu distrito nem pense em votar nele de novo.

É assim, aliás, que as coisas funcionam na maior parte das democracias do mundo (Estados Unidos, Japão, França, Itália, Austrália... e, claro, Reino Unido) e em nenhuma delas se tem notícia de que os deputados tenham deixado de lado as mais importantes questões nacionais para se tornarem “vereadores de luxo”. Isso simplesmente não aconteceu em nenhum desses países. Muito ao contrário: com a fiscalização superior proporcionada pelo voto distrital aos eleitores, os deputados ficam ávidos por “mostrar serviço” e fazer um bom trabalho exatamente nas grandes questões, não nas picuinhas. Eles sabem que a sobrevivência política deles depende disso.

Em resumo, a teoria não se sustenta e a prática demonstra o exato oposto. E Churchill, no especial lugar que lhe foi reservado no Paraíso, certamente dá boas gargalhadas toda vez que escuta essa conversa de “vereador de luxo”.

domingo, 25 de setembro de 2011

segunda-feira, 4 de julho de 2011

A Arte do Risoto, ou como não arruinar um jantar



Risoto, além de ser um clássico, é sofisticado e nunca enjoa. Versátil, é possível fazer risoto de quase tudo (o que gera desde combinações brilhantes até invencionices intragáveis, mas deixa isso pra outra hora), fazendo dele o acompanhamento perfeito em qualquer jantar mais elaborado. É uma refeição tão rica que, conforme o caso, pode deixar de ser acompanhamento para se alçar a prato principal.

Apesar disso tudo, não é muito fácil de fazer. Existem boas receitas na internet, mas alguns cuidados são indispensáveis para um bom risoto. Vou explicar os principais.

O primeiro, como em qualquer receita, é a escolha dos ingredientes. Já vi bons risotos feitos com tipos variados de arroz, mas o clássico é mesmo o de arroz arbóreo. Ele contém uma quantidade de amido muito maior do que o arroz comum – e é esse amido, quando corretamente desprendido do grão, que dá ao risoto sua consistência pastosa característica. Não adianta tentar fazer risoto com arroz agulhinha: pode ficar um delicioso “arroz agulhinha com alguma coisa no meio”, mas definitivamente não será um risoto.

Todo o resto decorre daí: por ter mais amido, o risoto exige uma quantidade muito maior de água do que o arroz comum. Como regra geral, será algo próximo de três partes (volume, não peso) de água para uma de arroz (o arroz comum exige algo em torno de 1,5 para 1). Essa água precisa estar muito quente e ser adicionada aos poucos, justamente para que se consiga a liberação do amido.

Esqueça os caldos industrializados (aqueles que vêm em cubinhos) e faça o seu próprio. Se vai fazer, faça direito! Caso contrário, já compre de uma vez aqueles “risottos prontos”...

O outro ponto fundamental, que é normalmente onde todo mundo erra: risoto exige esforço. E é “esforço” físico mesmo, que significa mexer vigorosamente o arroz durante todo o processo. É cansativo, especialmente com quantidades maiores, e por isso muita gente desiste no meio da receita; só que, sem isso, nosso querido arroz arbóreo não libera seu venerando amido, fica duro por dentro e o resultado é um desastre. É exatamente por exigir tanto movimento com a colher que a água deve ser acrescida aos poucos, já que não há como mexer corretamente o arroz se toda a água for jogada de uma vez.

Os ingredientes adicionais (abobrinha, pato, frango, seja lá do que você for fazer o risoto) já devem estar cozidos (ou assados, ou o que você preferir) porque são juntados quando o risoto já está quase pronto. É outro erro comum achar que “tudo vai para a panela” e submeter a pobre da abobrinha à mesma tortura do arroz... Lembre-se: abobrinha não tem amido para liberar! Acredite em mim e também não tente extrair amido de pato, funghi, rúcula ou qualquer outra coisa que não seja o próprio arroz, ok?

A manteiga é essencial para o sabor e para a cremosidade; porém, por ser um ingrediente mais delicado, deve ser juntado somente ou final do processo (não, não dá certo jogar a coitada da manteiga no meio daquela água toda!) ou logo no começo, antes da água, para refogar o arroz (eu gosto de dividi-la na metade para fazer as duas coisas). O parmesão, pelo mesmíssimo motivo, só é juntado ao final. Ambos são mexidos para homogeneizar, mas com delicadeza.

O “ponto” do risoto exige atenção. Ele deve ser pastoso, mas o interior dos grãos tem de manter uma certa firmeza ao morder (“al dente”). Se ficar tempo de menos (ou com água de menos) os grãos ficarão muito duros e sem gosto; se cozinhar tempo demais (ou com água demais) vai deixar de ser “pastoso” e virar “quase sopa”. Com o tempo, você pega prática e vai saber o momento de tirar do fogo só de olhar; até lá, não se acanhe e vá experimentando a receita até chegar ao ponto certo.

Então, resumindo, se você quer fazer risoto, você precisa, essencialmente, da seguinte receita: boa matéria prima, conhecimento adequado e bastante esforço.

Receita, aliás, que se aplica a praticamente tudo de bom que existe na vida :-)

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Corvette C7


Está confirmado: o Corvette de sétima geração (C7) chega em 2012, já como versão “2013” para comemorar os 60 anos do carro. Não se sabe exatamente como ele será, mas já foi divulgado que vai ser baseado no famoso “Corvette Concept”, exatamente aquele que fez rápidas aparições no filme Transformers II. Com base nesse conceito é que foi elaborada a imagem acima – como um reflexo do Geração II, o mítico Stingray. A propósito, o próprio nome “Stingray” deve ser retomado.

Pouco se sabe também sobre as especificações técnicas, mas “os boatos” dizem que várias partes metálicas vão ser substituídas por fibra de carbono para uma redução radical de peso. Além disso, fala-se que o comando de válvulas finalmente sairá do bloco e irá para o cabeçote (o que me faz supor que teremos novamente um Corvette multiválvulas, como já havia sido o C4 de série especial Z06). Presume-se, ainda, que o motor siga o caminho seguido pelos Corvettes de competição, em que a cilindrada diminui um pouco (de 6.2 para 5.5) em prol de maiores rotações.

Curiosamente, o mesmo V8 6.2 do Corvette básico (chamado de LS2) tem, em alguns outros carros (como o crossover Escalade), versões flexíveis (que lá rodam com E85 feito de milho). Seria bem interessante um Corvette que, além de multivávulas, também rodasse com álcool, não?...

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Dez Mitos sobre Bin Laden



Por ser o homem mais procurado do mundo, era natural que surgissem lendas e mitos variados sobre Bin Laden. O jornalista Jason Burke, do The Guardian (veja a matéria original aqui: http://www.guardian.co.uk/world/2011/may/03/osama-bin-laden-10-myths-cia-arsenal), compilou os 10 mitos mais famosos sobre o terrorista:

1. Ele foi “criado” pela CIA
Osama Bin Laden nunca recebeu nem dinheiro, nem treinamento dos americanos. Seus seguidores também não. Os guerrilheiros “mujahedin” afegãos é que receberam, no começo dos anos 80. Bin Laden e sua turma chegaram ao Afeganistão bem depois (só para lembrar: menos de 10% dos membros do Talebã é afegão. O resto é todo composto de estrangeiros, especialmente da Arábia Saudita e Egito).

2. Ele teria uma enorme fortuna
Apesar de pertencer a uma das famílias mais ricas da Arábia Saudita, Bin Laden teve de deixar todos os seus bens quando saiu de seu país em 1991 em direção ao Paquistão (e depois ao Sudão). A família o deserdou pouco tempo depois.

3. Ele foi o responsável pela explosão, em 1993, no World Trade Center
O terrorista que realizou o ataque, Ramzi Youssef, trabalhava para Khaled Sheikh Mohammed, que só entrou na Al-Qaeda três anos mais tarde.

4. Ele enriqueceu com o tráfico de drogas
Apesar de essa acusação constar do estudo feito pelo governo britânico logo depois do 11 de setembro, nenhuma prova foi encontrada nesse sentido.

5. Ele nunca se expunha ao perigo
Apesar de ser falsa a história que ele gostava de contar a respeito de ter enfrentado sozinho um general soviético, testemunhas afirmam que ele participou de combates em Jaji, em 1987, e em Jalalabad, em 1989.

6. Ele passou a maior parte do seu período no Afeganistão se escondendo em cavernas
Apesar de ter se encontrado com jornalistas numa caverna em Bora Bora, ele vivia numa confortável fazenda próxima dali, na cidade de Hadda. Em 1999 se mudou para Kandahar e, seis anos depois, para o lugar onde foi encontrado pelos americanos. Não há nenhuma prova de que ele tenha morado em cavernas.

7. Ele levava uma vida de farra em Beirute antes de se tornar religioso
Não há nenhuma prova nesse sentido: tudo que se apurou indica, ao contrário, que ele era tímido e quieto. Ele se casou jovem e passava muito tempo lendo textos religiosos.

8. Ele estava à beira da morte por causa de uma doença nos rins
Havia relatos de a respeito de algum problema nos rins mas certamente nada que pudesse levá-lo à morte. Suas dores nas costas eram, provavelmente, originárias da sua altura (1,95m) e de sua vida quase sedentária.

9. Ele ordenou ataques na Chechênia, nas Filipinas, na Indonésia e teria uma vasta rede de terrorista ao sul do Saara, na África do Sul e até no Paraguai
Vários governos e agências de inteligência fizeram essas afirmações, mas nenhuma prova nesse sentido foi encontrada.

10. Ele torcia pelo time de futebol Arsenal, da Inglaterra
A torcida desse time grita “Osama, Osama, está escondido em Cabul e ama o Arsenal”; apesar disso, não há nenhuma prova de que ele se interessasse pelo futebol britânico.

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Obama Pegou Osama...


E, claro, agora pululam os mitos e as teorias de conspiração. Há quem diga que se trata, somente, de uma jogada eleitoral para favorecer o atual presidente. É mesmo? Fácil assim? Ora, então porque o presidente anterior não fez isso?... John McCain, seu candidato à época, bem que precisava de uma mãozinha!...

Segundo o jornal O Estado de São Paulo, chega a 80,46% o número de leitores que duvidam que Osama tenha morrido. Veja-se: não se trata de analfabetos ou ignorantes, mas de leitores de um jornal de prestígio... A justificativa geral é de que “não acreditam no governo americano”. Mas quem disse que precisam? Também não acreditam na Al Qaeda, que confirmou a morte? Não acreditam na esposa de Bin Laden, que declara que ele morreu na frente dela?

Deveriam, então, ao menos acreditar no próprio Osama: se estivesse vivo, obviamente faria questão de gravar mais um de seus vídeos e expor os inimigos a um gigantesco ridículo. Aliás, era exatamente o que ele sempre fazia toda vez que surgia um novo boato de que ele estava morto ou muito doente.

Talvez, então, ele não esteja morto, mas apenas preso – o que evitaria os vídeos. O risco, porém, de a história vazar, ou mesmo de ele escapar, seria tão alto que é difícil acreditar que alguém fosse estúpido o bastante para tentar algo desse gênero.

Claro que foto, DNA ou qualquer outra prova continuaria sendo inútil para muita gente: os que gostam de achar que “sabem coisas que ninguém mais sabe” acreditam em qualquer bobagem, desde que lhes dê esse gosto de exclusividade – de Papai Noel a invasão alienígena.

Outro fato bem interessante, trazido pelo mesmo jornal pelas mãos da correspondente Adriana Carranca, que vive em Cabul: os afegãos comemoram a morte de Osama muito mais do que os americanos. Não é para menos, se lembrarmos que os ataques de 11 de setembro nos EUA não são, na essência, diferentes do tratamento que o Taleban impunha ao povo afegão.

Como não faltam mitos sobre Bin Laden, no próximo texto vou abordar alguns. Até!

(Ah, claro, alguém reparou o dia em que a morte de Bin Laden foi anunciada? Não? 1º de maio não lhe sugere nada?...
...
Ocorre que esse é o mesmo dia em que se anunciou a morte de Adolf Hitler......
Mais um prato cheio para teorias da conspiração, numerologias e outras bobagens...)...

sexta-feira, 29 de abril de 2011

Mais uma teoria da conspiração...


Para os que gostam de teorias da conspiração: a Sra. Catherine Middleton, a partir de hoje Duquesa de Cambridge e futura rainha da Inglaterra, morou durante um bom tempo na Jordânia e é fluente em árabe...

Espaço aberto para conjecturas, teorias e especulações :-)

(Enquanto isso, na Síria, que é o que realmente importa, continua difícil de saber quais vão ser os desdobramentos dos protestos, ou se as sanções aprovadas vão surtir algum efeito).

terça-feira, 22 de março de 2011

Um Velhinho em Boston



Sim, existe um velhinho em Boston! Há muitos, é claro, mas esse é especial. Miúdo, meio encurvado pelo peso de seus 83 anos, ele é simpático e de extrema gentileza; quase patologicamente tímido, nunca se casou nem teve filhos. Mora numa casa muito simples, de tijolos aparentes, num bairro operário no lado leste de Boston, onde planta orquídeas e tenta arrumar espaço suficiente para as várias pilhas de livros.

Gene Sharp, além de plantador de orquídeas, é o homem que ajudou o Egito a derrubar Hosni Mubarack. Também é o homem que ajudou a Sérvia a derrubar Slobodan Milosevic e mais um punhado de outras ditaduras.

Seu trabalho já era conhecido antes da revolta egípcia, mas é esta a que agora está lhe dando o status de celebridade. Do alto de sua timidez intensa, ele obviamente não dá a mínima para isso; as ditaduras do mundo, ao contrário, estão com cada vez mais preocupadas com suas idéias e com a velocidade com que elas se expandem.

Desde 1972, Sharp é professor de ciência política na Universidade Dartmouth, em Massachusetts. Fascinado pelo pacifismo de Einstein e pela doutrina de “resistência não-violenta” de Gandhi, ele resolveu estudar a fundo a natureza e a fonte de poder das ditaduras – e como elas poderiam ser combatidas. Seu trabalho de doutorado foi defendido em 1968 e publicado em 1973 sob o nome de “As Políticas de Ação Não-Violenta”. Com base nos elementos elaborados nesse trabalho, ele escreveu outro, bem curto, direto e acessível, para servir de “guia” aos povos oprimidos: Da Ditadura para a Democracia, traduzido para mais de sessenta idiomas e facilmente encontrado na internet.

É fato que as “mídias eletrônicas” (em especial Twitter e Facebook) foram ferramentas importantes para os revoltosos do Egito e da Tunísia, algo que a imprensa do mundo todo tem dado muita ênfase. Mas o quê, exatamente, eles comunicavam por esses meios? O que se divulgava, além de que vinagre e suco de limão no lenço ajudam a minimizar os efeitos do gás lacrimogêneo? A resposta é: as idéias de Sharp.

Segundo ele defende, o poder realmente emana do povo, e nenhuma ditadura consegue se manter indefinidamente se for baseada somente na força. Se perder o apóio popular, e se essa retirada de apóio for feita de forma organizada e planejada, nenhuma ditadura se sustenta – e Da Ditadura para a Democracia explica, de forma simples e detalhada, o passo-a-passo de como isso pode ser feito.
A resistência pacífica, segundo Sharp, não é apenas moralmente melhor do que o combate pela violência: é mais eficaz. O uso da força é o campo da ditadura, e dificilmente os defensores da democracia podem ser páreo para ela nesse seu terreno próprio. Minar suas fontes de poder, ao contrário, sem uso de armas, é muito mais eficiente.

Muito antes das revoltas no Oriente Médio, o trabalho de Sharp já era o livro de cabeceira dos movimentos de libertação na Sérvia e em várias das ex-repúblicas da URSS. O movimento Otpor, da Sérvia, chegou a receber treinamento diretamente do instituto de Sharp (o Albert Einstein Institution, cujo site está aqui: http://www.aeinstein.org/ ).

Tal qual seus colegas do leste europeu, o Otpor (que em sérvio significa “resistência”) teve um papel fundamental na queda de ditaduras que até então pareciam invencíveis (nesse caso, a do ditador-genocida Slobodan Milosevic). Não é à toa que, tão logo começou a se organizar, a juventude no Egito tenha procurado auxílio e treinamento com os militantes do Otpor – e o manual básico de todo o planejamento da revolta tenha sido o livro de Gene Sharp.

Nada mau para um velhinho introvertido!... :-)

sábado, 26 de fevereiro de 2011

Dominó no Oriente Médio?

Depois dos atentados terroristas em Nova York e em Madri, muito se discutiu sobre o afluxo de imigrantes árabes e muçulmanos nos países ocidentais e os impactos culturais que daí decorreriam. Particularmente no caso do metrô de Madri, alguns aspectos chamavam a atenção: os terroristas eram todos muçulmanos e descendentes de árabes, mas haviam nascido e crescido na própria Espanha. Isso gerou a teoria da “síndrome de desterro”: esses jovens não se sentiriam nem bem árabes (etnia), nem bem espanhóis (nacionalidade). Os pais se reconheciam como estrangeiros e eram gratos à Europa que os recebera e lhes dera boas condições de trabalho; seus filhos, porém, se sentiriam “entre dois mundos” e sem pertencer de fato a nenhum deles; completamente deslocados, acabariam por odiar tanto a Espanha quanto o Ocidente inteiro. Adicione-se isso ao contato com religiosos extremistas, diziam os defensores da teoria, e tem-se como resultado centenas de inocentes mortos barbaramente.

Não sei se essa análise está correta. Provavelmente ninguém nunca vai saber, já que os responsáveis estão mortos. Certa ou errada essa explicação, o que é bem provável, todavia, é que tenha ocorrido um fluxo inverso: o contato cada vez maior dos jovens árabes com o ocidente parece ter sido determinante para a série de revoltas recentes batizada de “Primavera Árabe”, cujo último capítulo (até agora...) se dá na Líbia.

Os próprios revoltosos no Egito explicaram: o estopim dos protestos contra o governo Mubarak foi a revolta na Tunísia, mas a inspiração de seus objetivos são as democracias ocidentais. O maior contato com elas propiciado nos últimos tempos tornou ainda mais visível as diferenças entre sociedades abertas e as ditaduras em que viviam – e da indignação para a revolta aberta não foi um passo tão longo. Se o resultado da revolução vai mesmo ser uma democracia ainda é cedo para dizer, e muito depende de qual caminho o exército egípcio vai seguir. É notável, porém, que até o momento não haja nada no movimento relacionado a religião: não se fala de influência do islamismo na política, em nenhuma vertente. Não se fala de extremistas – pelo contrário, houve cenas tocantes de cristãos coptas protegendo os muçulmanos durante as orações destes na Praça Tahrir, e em seguida sendo convidados pelo imã a orarem juntos. Não se viu ninguém queimando bandeiras dos EUA ou mesmo de Israel.

Nem mesmo a temida Irmandade Muçulmana (autora confessa, no passado não muito distante, de ataques terroristas contra turistas com dezenas de mortos) manifestou interesse em se aproveitar do eventual vácuo de poder. Ao contrário, seus representantes declararam abertamente que não há interesse da organização em disputar a presidência nas eleições que se aproximam (se é verdade ou não, novamente só o tempo vai dizer).

O início é promissor, mas os receios da comunidade internacional sobre qual será o final não são sem fundamento: a História está cheia de exemplos de revoluções que tinham por objetivo pôr fim a uma ditadura e que tiveram como resultado ditaduras piores que as anteriores – o exemplo do que ocorreu no Irã em 1979 é bastante eloqüente.

Há ainda um aspecto fundamental dessas revoltas de que pouco está se tratando: um velhinho numa casinha, num confim gelado do mundo, cercado de livros por todos os lados. Mas vou tratar de Gene Sharp no próximo texto.

Ah, sim, as relações Brasil-Rússia-Ucrânia vão muito bem, obrigado :-)