sábado, 26 de fevereiro de 2011

Dominó no Oriente Médio?

Depois dos atentados terroristas em Nova York e em Madri, muito se discutiu sobre o afluxo de imigrantes árabes e muçulmanos nos países ocidentais e os impactos culturais que daí decorreriam. Particularmente no caso do metrô de Madri, alguns aspectos chamavam a atenção: os terroristas eram todos muçulmanos e descendentes de árabes, mas haviam nascido e crescido na própria Espanha. Isso gerou a teoria da “síndrome de desterro”: esses jovens não se sentiriam nem bem árabes (etnia), nem bem espanhóis (nacionalidade). Os pais se reconheciam como estrangeiros e eram gratos à Europa que os recebera e lhes dera boas condições de trabalho; seus filhos, porém, se sentiriam “entre dois mundos” e sem pertencer de fato a nenhum deles; completamente deslocados, acabariam por odiar tanto a Espanha quanto o Ocidente inteiro. Adicione-se isso ao contato com religiosos extremistas, diziam os defensores da teoria, e tem-se como resultado centenas de inocentes mortos barbaramente.

Não sei se essa análise está correta. Provavelmente ninguém nunca vai saber, já que os responsáveis estão mortos. Certa ou errada essa explicação, o que é bem provável, todavia, é que tenha ocorrido um fluxo inverso: o contato cada vez maior dos jovens árabes com o ocidente parece ter sido determinante para a série de revoltas recentes batizada de “Primavera Árabe”, cujo último capítulo (até agora...) se dá na Líbia.

Os próprios revoltosos no Egito explicaram: o estopim dos protestos contra o governo Mubarak foi a revolta na Tunísia, mas a inspiração de seus objetivos são as democracias ocidentais. O maior contato com elas propiciado nos últimos tempos tornou ainda mais visível as diferenças entre sociedades abertas e as ditaduras em que viviam – e da indignação para a revolta aberta não foi um passo tão longo. Se o resultado da revolução vai mesmo ser uma democracia ainda é cedo para dizer, e muito depende de qual caminho o exército egípcio vai seguir. É notável, porém, que até o momento não haja nada no movimento relacionado a religião: não se fala de influência do islamismo na política, em nenhuma vertente. Não se fala de extremistas – pelo contrário, houve cenas tocantes de cristãos coptas protegendo os muçulmanos durante as orações destes na Praça Tahrir, e em seguida sendo convidados pelo imã a orarem juntos. Não se viu ninguém queimando bandeiras dos EUA ou mesmo de Israel.

Nem mesmo a temida Irmandade Muçulmana (autora confessa, no passado não muito distante, de ataques terroristas contra turistas com dezenas de mortos) manifestou interesse em se aproveitar do eventual vácuo de poder. Ao contrário, seus representantes declararam abertamente que não há interesse da organização em disputar a presidência nas eleições que se aproximam (se é verdade ou não, novamente só o tempo vai dizer).

O início é promissor, mas os receios da comunidade internacional sobre qual será o final não são sem fundamento: a História está cheia de exemplos de revoluções que tinham por objetivo pôr fim a uma ditadura e que tiveram como resultado ditaduras piores que as anteriores – o exemplo do que ocorreu no Irã em 1979 é bastante eloqüente.

Há ainda um aspecto fundamental dessas revoltas de que pouco está se tratando: um velhinho numa casinha, num confim gelado do mundo, cercado de livros por todos os lados. Mas vou tratar de Gene Sharp no próximo texto.

Ah, sim, as relações Brasil-Rússia-Ucrânia vão muito bem, obrigado :-)