quarta-feira, 1 de julho de 2009

"O Grande Irmão a tudo vê", ou como até eu fui assistir BBB


Publicado por Braghittoni Ives em 23 Mar 2009 sob: Cultura, Comportamento (editar)

Eu iria tratar do filme Wacthmen… Mas ele não merece. Leia o texto anterior, pense naquilo tudo bem piorado e você entendeu o que é o filme. Em resumo, já tenho meu candidato para o prêmio Framboesa de Ouro de pior filme do ano. E também para pior roteiro adaptado, pior ator (o que é aquele Ozimandias com cara de Clodovil?!…), pior atriz (precisa explicar?…), pior trilha sonora…

Falemos, então, do tsunami televisivo de todo começo de ano: “Big Brother”.

Tenho um amigo, também escritor, que costuma brincar dizendo que o talento verdadeiro se mostra quando conseguimos escrever sobre algo que não conhecemos; “escrever sobre aquilo que se domina é fácil”, diz ele, “bom mesmo é quem consegue escrever sobre aquilo de que não sabe nada”. Claro que é uma piada, mas é exatamente o que vou tentar fazer hoje: escrever sobre algo de que não conheço quase nada. Não só porque é o assunto da moda, mas também porque minha “ex” está lá dentro (fazer o quê… :-)… ) – além, é claro, do insopitável prazer de ser do contra (já explico o porquê…), então vou tentar expor a visão de alguém que nunca antes tinha assistido aquilo.

O motivo do nome deve ser de conhecimento geral: o “Grande Irmão” (“The Big Brother”) é como é chamado o dirigente máximo da Eurásia, país fictício de que a Inglaterra faria parte na apavorante ficção de George Orwell, “1984”. As circunstâncias em que essa obra prima foi escrita também são bem conhecidas: depois de vencido o nacional-socialismo de Hitler, o mundo se entorpecia de felicidade em achar que a democracia triunfara definitivamente; o livro de Orwell era um assustador alerta de que o socialismo estava longe de ser extirpado – como a URSS demonstrava de forma bem convincente. Um dos mecanismos de que o Estado totalitário do Grande Irmão se utilizava para controlar a população eram as “teletelas”, parecidas com televisores exibindo propaganda socialista 24 horas por dia, mas que também fiscalizavam os cidadãos, observando e filmando cada movimento que faziam e dando ordens o tempo todo a cada um, individualmente – daí o motivo do nome.

A primeira observação que faço então é que esse nome, apesar de ser mera metáfora, está errado. Os participantes, como em 1984, são mesmo observados o tempo todo, mas não recebem ordens. As câmeras só observam; não há ordens para tudo e para todos, nem vindas delas nem de lugar algum – o que torna tudo bem diferente do mundo criado por Orwell. Ainda bem, diga-se!

Outro nome que me parece equivocado: aquilo não é um “reality show”. O tal BBB pode ser tudo, menos um “espetáculo de realidade” – porque o que é filmado é tudo, menos realidade. Quer coisa mais irreal do que ficar semanas trancafiado numa casa, cercado de pessoas que você nunca viu? Sem poder sair, sem nenhum acesso ao mundo exterior? O que isso tem de “realidade”? Bom, talvez você tenha tido experiências próximas a essa se já viajou para Ubachuva ou São Sebastrovão e ficou preso em casa por tempestades intermináveis (:-) ), mas para a maioria dos mortais isso está bem longe de uma “exibição de realidade”.

Mas indo ao que interessa: é incrível o quanto as pessoas abominam esse programa – ao mesmo tempo em que os índices de audiência são sempre incrivelmente altos. A matemática me obriga a concluir que boa parte desses críticos são também, ao mesmo tempo, ávidos espectadores.

Não vou entrar na discussão sobre se o programa é bom ou ruim; não só porque já há milhares (talvez milhões) discutindo exatamente isso, como porque não é isso que interessa: cada um que saiba por si se deve ou não assisti-lo. A grande questão é, justamente, a liberdade de ver. Essa merece ser discutida e defendida.

Há aqueles que dizem “o programa é uma droga, então eu decido que eu não vou ver”. Ótimo. O grande problema é que há quem diga “o programa é uma droga, então quero decidir que ninguém no mundo tenha o direito de decidir se vai ou não ver”. São poucos os que têm coragem de colocar as coisas em termos tão claros, mas é exatamente isso o que muitos defendem. E é isso que tem de ser combatido.

Essas pessoas levaram muito a sério a idéia do “Grande Irmão”. Tão a sério que querem se transformar nele. “EU acho que BBB é ruim, então EU decido que ninguém mais pode assistir” – socorro! Quem lhe deu esse direito, Cara Pálida? Quem o nomeou ditador do mundo? Tantos anos passados depois de escrito 1984, depois do próprio ano de 1984, e o livro se mantém cada vez mais atual.

Os argumentos para defender essa proposta de censura são mais bizarros do que dia de paredão (viu? Estou aprendendo!). Há quem diga que “as crianças assistem”, e se é ruim, então “deveria ser proibido” (olha o Grande Irmão aí, gente!!), porque os pais “não conseguem controlar os filhos”. Traduzindo: algumas pessoas não aceitam que são responsáveis por criar os filhos que tiveram; eles querem que a televisão os crie. Então, ao invés de decidirem o que os filhos podem ver, acham que têm o direito de decidir o que o mundo inteiro pode ver. Que pavor! Nem Orwell pensaria numa sandice como essa!

Outros seguem uma linha diferente: as televisões seriam obrigadas a produzir e emitir programas “de qualidade”, porque são “concessão pública”. A idéia já nasceu errada: “qualidade” na opinião de quem? Quem será o gênio eleito para decidir? Não deveria ser cada cidadão decidindo por si mesmo?… Ah, claro… O cidadão só poderia “escolher por si mesmo” se tivesse “educação adequada”… Estranho: ele pode eleger o Presidente, mas não pode eleger o que quer assistir na televisão.

Pior ainda é o próprio conceito de “concessão pública”, um resíduo da época da ditadura criado para que só os “amigos do rei” fossem contemplados com canais de TV e de rádio, a fim de que neles só fosse dito o que Sua Majestade quisesse. A majestade mudou de nome, mas a idéia continua útil: por ser “concessão pública”, a TV só deveria mostrar o que “alguém” quer, não o que o próprio cidadão decidiu assistir. O Grande Irmão agradece!

Variação do mesmo tema é que a TV deveria ter programação “cultural”. Esse é uma mistura dos dois anteriores: a educação que a escola não deu seria, na mente dos gênios de plantão, responsabilidade da TV; além disso, deveria mostrar o que “alguém” decidiu que era “cultural” (lembram dos manifestos de Goebbels determinando o que era e o que não era “arte” para o 3º Reich??…). Bem estranho isso… Bem digno do Grande Irmão. Se o cidadão decide que quer passar seu tempo de descanso caminhando numa praça, ninguém exige dele que esse passeio seja “cultural”; mas se decide que, ao invés de ir a uma praça, vai descansar ficando em casa e assistindo BBB… Pronto, abriram-se as portas do inferno.

Em resumo: a única forma de censura que se pode admitir é o controle remoto. O resto é conversa das viúvas da ditadura, ou de aprendizes de Grande Irmão. :-)

E por fim: boa sorte, Fran!! Estou torcendo por você!! E votando também, descobri que dá pra votar pela Internet!!

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