quarta-feira, 1 de julho de 2009

Watchmen e os Esquecidos


Publicado por Braghittoni Ives em 09 Mar 2009 sob: Cultura (editar)

É, o BBB vai esperar mais um pouco. O assunto do momento é o filme que acaba de estrear, levando para as telas “a mais celebrada HQ de todos os tempos”. E aí, toda a crítica cinematográfica divide o universo inteiro em dois públicos: os leitores de HQ, automaticamente classificados como “fãs radicais de Watchmen”, ou “nerds” mesmo; e o público em geral, que nunca ouviu falar disso – e que nem sabe o que é “HQ”. Tudo gira em torno de saber se os “fãs” vão considerar o filme fiel o bastante à sacrossanta HQ, e se quem não a conhece vai gostar do filme.

Bom, HQ é, apenas, “história em quadrinhos”. Quem quer dar uma de exibido fala “graphic novel”, mas trata-se simplesmente do bom e velho gibi – que talvez mereça ser chamado de “nona arte”, por combinar literatura e pintura.

Enfim, fomos todos divididos nesses dois grupos – o que me leva a reclamar por não estar representado: e quem gosta de HQ, leu Watchmen logo no lançamento… e não gostou? Fomos esquecidos, pelo jeito! Ou talvez eu seja o único no mundo (:-) ); se for, é um motivo a mais para escrever esse texto. Então, vou falar primeiro da HQ, depois do filme que a retrata – e fique tranqüilo, não vou estragar nenhuma surpresa nem de um, nem de outro (odeio quando algum crítico faz isso!).

Indo direto ao ponto: Watchmen é uma droga. É ruim, bem ruim, e o filme conseguiu potencializar tudo que a HQ tem de pior. O primeiro problema insuperável de W é que já nasceu velha – mais do que isso, nasceu obsoleta. Lançada em 1986 e ambientada no ano anterior, seu pano de fundo é a Guerra Fria… Que, nessa época, já era quase lembrança (veja quantas críticas da Internet falam que foi a época do “auge” da Guerra Fria!!…). O socialismo estava em fase final de agonia, depois de décadas de miséria absoluta e sofrimentos indizíveis para a população que o suportava. A URSS seguia um processo firme e gradual de abertura (na política interna) e aproximação com o Ocidente (na política externa); e, em 1989 (bem pouco tempo depois, portanto), os regimes socialistas do mundo inteiro desmoronavam de vez, derrubados por revoltas populares quase simultâneas. Sem, lembremos, que fosse dado um único tiro pelos países democráticos.

Mas divago. W, na falta de outra coisa, usou essa idéia requentada para criar, numa “realidade alternativa”, “um mundo à beira do apocalipse” de guerra nuclear. Aliado a isso, tem pretensões de gerar “discussões morais profundas”, quando na verdade segue, apenas, a cartilha rasteira de que “os fins justificam os meios”. Nem vou entrar na discussão do quanto isso é inaceitável; vou só chamar a atenção de quão pouco profunda é essa “discussão moral”. Ora, bastou isso para que W fosse considerada pela Times uma das “100 melhores ficções” já escritas?! Essa lista é bastante capenga, e para provar não é preciso nada além de ver que ela inclui o besteirol de W, mas não tem um único livro de Machado de Assis (veja a lista completa aqui: http://www.time.com/time/2005/100books/the_complete_list.html) . Enfim, essa é a “profunda discussão moral” que conseguimos de W? É só isso que surge de tanta pretensão?

Aliás, pretensão é o que mais sobra em W, desde sempre apresentada como “a HQ de heróis que iria acabar com as HQs de heróis”. Quanta arrogância!

A precariedade da “profunda discussão moral” chega ao auge de defender que seria lícito “matar x para salvar 10x” – e não vou explicar mais para não descumprir a promessa sobre não revelar o conteúdo da história. Vou apenas sugerir que você analise, lendo ou vendo o filme, até onde vai a tal “discussão moral”.

W também é terrivelmente lenta, arrastada mesmo. Nunca entendi o porquê; eu achava que era, apenas, parte daquela pretensão toda. Mas é mais: em recente entrevista do responsável pelas ilustrações, Dave Gibbons (essas, reconheço, excelentes), admitiu que inicialmente só havia material para seis publicações… E tiveram de “dar um jeito”, por pressão sabe-se lá de quem, de fazer W render doze. Ou seja, metade de W é pura encheção de lingüiça!

O pior de tudo na história, porém, é a completa falta de sentido, especialmente do final, que é seu ponto mais importante: toda aquela moral obtusa é defendida através de um enredo que, ao fim, se mostra totalmente sem pé nem cabeça. É óbvio que ficção (e HQs de heróis em especial) não precisa ter nenhuma verossimilhança; tanto quanto é óbvio, porém, que ela precisa ter um mínimo de lógica, de sentido. Leia a HQ e veja depois se você não concorda comigo: se o(s) personagem(ns) fizesse(m) aquilo, o resultado seria mesmo aquele? Ou seria exatamente o contrário?

Simplificando bastante: se alguém está com o dedo no gatilho e leva um susto, o que acontece? Ele puxa o gatilho no susto… ou vira “amiguinho” de quem estava na mira? Ora, faça-me o favor!
A “solução” proposta pelo final é, penso, um completo absurdo, mesmo dentro das premissas da HQ. O que começou com uma enorme pretensão se encerra com uma enorme bobagem; tente imaginar aquela situação… E você também vai concluir (acho) que a tal “solução” iria produzir o efeito exatamente oposto ao que a HQ tenta empurrar goela abaixo do leitor. História inteligente (seja em HQ, filme de heróis ou em qualquer coisa) exige, no mínimo, um pouco de sentido nas “relações de causa e efeito”; e W, no desejo de surpreender (ou de pretensiosamente fazer “discussões morais”), faz o exato oposto.

O filme piorou a HQ. Semana que vem falo dele.

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