quarta-feira, 1 de julho de 2009

Por que a Justiça é tão lerda? Parte 3

Publicado por Braghittoni Ives em 04 Mar 2009 sob: Direito (editar)

Finalmente, há um terceiro ponto no CPC que é um fundamental causador de demora: a rejeição profunda e consciente ao princípio da oralidade.

Resumindo bastante, a idéia de “oralidade” no processo significa que as coisas devem ser resolvidas diretamente entre os integrantes do processo (autor, juiz e réu), e não por escrito. Isso é tão importante no processo que foi elevado à categoria de “princípio”. E, como tal, é ensinado nas faculdades desde o início do curso de processo – o que gera no aluno a natural noção de que, se é um “princípio”, ele é adotado pelo ordenamento.

Ocorre que não é – pelo menos, no CPC não é. Nosso Código de Processo abomina a oralidade, ao contrário do que normalmente se aprende nos bancos das faculdades. Essa aversão à oralidade está explícita em inúmeros comandos e, mais ainda, está declarada na exposição de motivos do CPC. Não se trata de acaso, portanto, mas de opção deliberada do legislador. Quaisquer que fossem seus motivos, Alfredo Buzaid (autor do anteprojeto que se tornou o CPC) queria a oralidade morta e enterrada. E conseguiu.

Veja-se, por exemplo, a rejeição que o CPC tem pelas provas orais (especialmente a testemunhal), comparada à sua predileção pela prova escrita… E ainda temos a coragem de dizer que no Brasil não há a arcaica valoração legal da prova!

O princípio da oralidade determina que, tanto quanto possível, tudo se resolva em audiência. O CPC rejeita a audiência, e os “operadores do direito” (advogados, juízes, promotores) mais ainda. Audiência é encarada como simples perda de tempo, que poderia ser mais bem aproveitado estando todos nos respectivos escritórios, redigindo petições e sentenças gigantescas em torrentes verborrágicas devidamente embaladas pelo delicioso “control C control V”…

Parte do problema, hoje, decorre mais da mentalidade desses “operadores do direito” do que do CPC propriamente. Ao invés de se produzir a prova pericial num laudo imenso, que levará meses e meses (às vezes anos…) para ser produzido, o CPC atualmente permite que esse laudo seja substituído por simples inquirição em audiência do perito e dos assistentes (CPC, art. 421, § 2º. Essa norma foi introduzida pela Lei 8.455, de 24.08.92 – ou seja, o CPC originalmente não tinha esse importantíssimo mecanismo de oralidade).

Isso deveria ser a regra, deixando-se os laudos escritos somente para casos absolutamente excepcionais, de complexidade tão grande que o próprio perito não pudesse se explicar diretamente. Na prática, porém, isso nunca acontece. Somos todos apaixonados pelos laudos de 300 páginas – mesmo sabendo que o perito poderia explicar suas conclusões em cinco minutos na audiência, talvez no máximo levando fotos ou gráficos que considerasse mais importantes.

A propósito, há dois filmes que eu sempre indico em aula para ilustrar como essa forma de produzir prova pericial é utilizada nos EUA, com as peculiaridades da Common Law: Meu Primo Vinny e O Informante. Assista, prestando atenção no fato de que o perito é simplesmente chamado para explicar as coisas em audiência, e portanto a perícia é instantânea.

O pior é a prática utilizada para os inevitáveis (e indispensáveis) “esclarecimentos do perito”. Se estivessem em audiência, todo esclarecimento desejado poderia ser conseguido em questão de minutos. No Brasil, porém, isso é feito através de uma “conversa por petições” – que, claro, leva meses e meses.

O CPC diz que a manifestação final é oral como regra (até o nome é “debate oral”!); sua substituição por memoriais (escritos, portanto) está reservada a casos de excepcionalíssima complexidade (CPC, art. 454, § 3º). Na prática, isso nunca acontece, e os advogados em geral têm verdadeiro pavor de exporem as razões finais oralmente – também, pudera, jamais foram treinados para isso. Tudo que se ensina, desde sempre, é a fazer petições. Desde a primeira prova na faculdade, tudo que ele faz é por escrito, nunca oral – aliás, desde a primeira prova na escola é assim!

O caso mais grave é o que ocorre na audiência do art. 331, inspirada no “pre trial” dos americanos. Quando foi criada com o atual contorno, na reforma de 1994 (Lei 8.952, de 13.12.94), essa audiência tinha como objetivo que houvesse uma verdadeira “pré-análise” do processo, e nela se resolvesse por inteiro a especificação de provas e a fixação de pontos controvertidos. Contrariando a lei, porém, os juizes continuaram determinando que as provas fossem especificadas por petição, num ritual longo e inútil, ao invés da especificação oral. A importantíssima audiência prevista no art. 331 se tornou uma mera “audienciazinha de conciliação”, como passou a ser chamada, com utilidade praticamente nula. Por causa dessa má prática, todos chegam à audiência sem nem lembrar (ou nunca ter visto…) do que trata a causa; o juiz simplesmente pergunta “tem acordo?”; as partes respondem que não e vão embora. Desse jeito, essa audiência realmente não tem nenhuma utilidade.

Defendendo o ponto de vista contrário: talvez o art. 331 pudesse mesmo ser mais claro a respeito, dizendo, com todas as letras, que “as partes especificarão em audiência as provas que pretendem produzir”.

O § 3º do art. 331 veio com a reforma de 2002 (Lei 10.444, de 07.05.02). É o reconhecimento, pelo legislador, de que a ótima lei teve uma péssima aplicação. Esse parágrafo, com outras palavras, diz o seguinte: “tá bom, já que vocês não sabem fazer direito, então façam como bem entenderem”. O que me lembra um professor da pós graduação que, comentando esse artigo e sua utilização, deu a explicação perfeita: “não adianta ter uma lei moderna se a mentalidade está na idade da pedra. Não adianta ter um bom ‘hardware’ se o ‘software’ continua ruim!”… É, disse tudo.

Nem só na primeira instância a oralidade faz falta. As intermináveis leis alterando o agravo de instrumento só mostram uma coisa: do jeito que era anteriormente não estava bom. Se estivesse, não se precisaria de outra reforma… Antes dessa última (última? Será?…) alteração, um colega professor, que é desembargador, dizia que o nome do cargo dele deveria ser mudado; ele só julgava agravos, então deveria ser “desagravador”… A avalanche de agravos de instrumento não deixava tempo para se julgar as apelações, que é o que realmente importam – e haja demora também na segunda instância.

Para quem não sabe, a oralidade determina a irrecorribilidade das decisões interlocutórias. O CPC segue o caminho exatamente oposto: todas as interlocutórias podem ser objeto de recurso, não só as mais importantes ou mais urgentes. Daí a termos uma segunda instância abarrotada não vai muita distância. E quanto à reforma de 2006 (Lei 11.187, de 19.10.05. É chamada de “reforma de 2006” porque entrou em vigor depois de 90 dias), que autoriza a conversão dos agravos de instrumento em retidos? Se você leu até aqui, já entendeu que as coisas não se resumem apenas ao que diz o texto da lei; a celeridade tão desejada também depende da forma com que ela será aplicada.

Quero falar também dos efeitos da informatização na rapidez do processo, mas isso não vai ser na semana que vem. Antes, pedem-me para tratar de um assunto muito mais importante (por favor, isso é uma ironia, ok?): um tal de “Big Brother”.

Até lá.

Nenhum comentário:

Postar um comentário